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Friday, March 26, 2010

O final de Lost e a chance de mudar a TV via Internet

Como boa parte dos internautas, estou vidrado no Lost também. Sofri imensamente cada interrupção entre uma temporada e outra, e tenho vontade de xingar a mãe dos criadores a cada capítulo que se encerra, deixando vontade de mais na sequência. Sem falar no fato de que, como cheguei atrasado pra festa, perdi a conta de quantas noites eu e a esposa ficamos acordados até mais tarde só pra ver "mais unzinho".

Quem conhece Lost sabe do que estou falando. É viciante.

Tão viciante que a grande maioria ao redor do mundo não aguenta esperar. Apesar de todos os países no mundo terem um canal de TV local ou a cabo que retransmite o Lost, o mesmo é sempre feito com alguma defasagem, podendo variar de uma semana até meses.

Por isso, um fenômeno (que já existia) ficou muito evidente com o Lost: a distribuição de conteúdo gravado da TV via Internet, e uma rede de "anônimos" criadores de legendas. Com a evolução da banda, dos protocolos de compressão de vídeo e das tecnologias de exibição de vídeo com legenda hoje eu consigo ter uma cópia da gravação transmitida em tempo real (normalmente, ou é direto da ABC ou da CTV, canadense, que também transmite em tempo real) aproximadamente uma hora depois que acabou de ir ao ar. E em mais uma horinha ou duas, tenho um arquivo SRT que contém a legendagem completa -- em português brasileiro!

Isso não é privilégio nenhum. Na verdade, no mesmo momento que o grupo de legendagem anônimo brasileiro está trabalhando na madrugada de terça pra quarta, dezenas de outros em todo o mundo fazem o mesmo: em espanhol, em japonês, em chinês, em francês, em holandês, em português de portugal... vocês entenderam.

Ou seja, duas horas depois que o episódio de Lost foi ao ar, em tempo real nos EUA e Canadá, ele está disponível para ser assistido em todo o mundo (full HD leva uma ou duas horinhas extras), com a legenda na língua de sua preferência.

Acho que isso serve de introdução para quem nunca tinha ouvido falar do fenômeno. Claro que todas as consequências que vem disso acontecem na sequência: a ABC tentou no começo impedir, alegando violação de copyright. E caiu num buraco legal interessante: quando a transmissão é feita em TV aberta, a pessoa que assiste tem direito de fazer (quase tudo) o que quiser, desde que não vise lucro, com o que foi transmitido. Uma das opções é gravar (como sempre fizemos com nossos videocassetes VHS) e a outra, é emprestar a gravação pra um amigo ver. Faça isso vezes a força da Internet e já viu, né? Muitos "amigos" recebendo cópias, simultâneamente, num espaço de tempo mínimo.

Tudo isso é feito sem nenhum fim lucrativo, realmente. Os dubladores anônimos fazem seu trabalho de graça. Os "ripadores" (aqueles que copiam o programa em arquivos e os disponibilizam para baixar) também. O objetivo é apenas difundir, o quanto antes, aquele episódio novo, maluco, que vai deixar a gente de cabelo em pé e, em contrapartida, arrancar alguns dos mesmos no final.

Pra quem não conhece Lost, o mesmo está acabando. Acabei de ver o nono episódio da sexta temporada. Essa é a última temporada e faltam agora apenas oito episódios para o grande final. O episódio foi veiculado nessa terça à noite nos EUA e Canadá. Na quarta à noite eu já tinha assistido (com legendas em português de portugal -- baixei a errada dessa vez).

Poucas coisas estão sendo mais aguardadas na comunidade que o último capítulo da última temporada do Lost. Será um capítulo duplo (duas horas de duração). A rede vai ferver assim que o mesmo terminar. Cópias e mais cópias estarão voando por aí. Legendas e mais legendas serão escritas na madrugada. Os "ripadores" e legendadores competem pra ver quem sai mais rápido que o outro.

Acho que meu ponto ficou claro em uma coisa: existe demanda. E não é pouca. Existe uma demanda monstruosa de usuários que querem saber na hora, ou o quanto antes, o que aconteceu com Jack, Hurley, Kate, Sawyer e demais. Existem sites (não oficiais) onde você pode assistir em tempo real! Claro que aí é sem legenda.

Algumas conclusões que podemos tirar até aqui:

  • O canal ABC americano está faturando os tubos com publicidade à cada episódio veiculado; essa receita não está sendo de forma alguma afetada pela ação do pessoal da Internet;
  • Existem outras fontes de receita secundária, como venda de DVDs e venda de direitos para outros canais a cabo e abertos de outros países; essa seria a reclamação da ABC -- a transmissão e veiculação via Internet de maneira "não controlada" por eles comeria diretamente esses lucros;
  • Mas ao mesmo tempo, independente desse "frenesi" na Internet, tem muita gente que assiste só quando passa na Globo ou no AXN (canal de TV a cabo que está, pro Brasil, transmitindo com uma defasagem de duas semanas); outros, deixam pra comprar o DVD;
  • E o motivo é que, assistir na frente do computador é chato. Baixar o arquivo com o CODEC certo e achar a legenda SRT correta é chato. A experiência toda é incômoda, até um certo ponto, e exige um certo nível de destreza com o computador e com a Internet pra achar as fontes certas. No meu caso eu resolvi a questão do computador, copiando tudo pra um pen drive, pois minha TV lê dele diretamente -- mas precisa estar no CODEC certo, o arquivo SRT tem que ter o nome certo, etc.
Meu ponto, se tem algum nessa história que está ficando longa demais, é que mesmo distribuíndo o conteúdo via Internet, as ABCs da vida não deixarão de vender direitos para TV aberta e fechada, não deixarão de lucrar com DVDs. Então, porque a própria ABC não busca lucrar com a distribuição via Internet (vai acontecer mesmo) para aquela parcela que usa a Internet como meio de consumo?

Eu acredito que a ABC tem a oportunidade de usar esse final de Lost para criar um evento transformador para a TV via Internet.

Imagine se a ABC se programasse para divulgar de forma ampla que a final de Lost será a primeira a ser transmitida em tempo real para todo o mundo? E com a possibilidade de selecionar a legenda na língua que você quiser (disponível para as principais línguas)? Não aquela legenda amadora feita por pessoas de boa vontade, mas uma legenda profissional. Quanto isso iria encarecer o custo já milionário de produção de um episódio? Tenho certeza que nada que não vá ser coberto pela fortuna massiva que será feita com a venda de propaganda em tempo real para a transmissão via Internet.

Quem assiste em tempo real é cativo dos anúncios. Não tem TiVo ou edição possível que lhe permita pular os comerciais. Os anunciantes sabem disso e por isso pagam bem por anúncios em programas inéditos. Que tal um programa inédito em todo mundo? Que valor tem isso para as marcas globais de hoje em dia?

Isso seria utilizar a Internet para criar uma TV aberta realmente global. Ainda seria uma TV "chata" de consumir, pois você teria que estar na frente do computador ou usar algum "rolo" pra assistir da TV de casa. Mas seria muito mais fácil do que é hoje, atraíndo novos consumidores, com certeza. Ainda assim, lhe asseguro que muita gente ia continuar esperando os AXNs, TV Globos e DVDs saírem pra consumir o seriado. Mas se alguma receita foi perdida por conta da Internet, porque não tentar recuperá-la?

A ABC tem uma oportunidade ímpar na mão para mudar o panorama da TV via Internet e, potencialmente, criar um modelo de negócios que impeça que aconteça com a TV o mesmo que aconteceu com a música. Embora no caso da TV seja difícil acontecer exatamente o mesmo, dada a natureza do produto, mas uma parte significativa do valor já está sendo perdida. Ao mesmo tempo, a ABC irá criar toda uma rede direta de consumidores novos para seus conteúdos, que hoje só chegam até eles através de intermediários. Quanto vale eliminar o "middle man"?

Tudo posto, esse é um momento onde se poderia fazer história. Vai ser triste ver a oportunidade ser deseperdiçada, como tantas outras. Espero que no futuro alguém realize essa visão, e espero que o faça ainda em tempo de não deixar que um novo MP3 nasça. O prejuízo é de todos -- consumidores inclusive.

2 comments:

Eliana said...

EMbora eu seja um bicho estranho por nunca ter assistido um episódio de Lost, acho a idéia perfeita e como ação de marketing, seria "the best"!

Mas acho que as TVs convencionais e a cabo não ficariam muito felizes no dia em que isso acontecer. Mas quer elas gostem ou não, acredito que a contagem regressiva para a transmissão mundial via web de qualquer seriado ou filme já começou.

Unknown said...

Concordo com vc Eloi e com a Eliana. O futuro da transmissão mundial via Web está para acontecer em breve.

Mas enquanto isso não acontece existem outras formas de "brincar" com esse grupo de espectadores internautas que já vi em outras séries. Cito como exemplo em Heroes e muito mais explorado por Battlestar Galactica, o uso de episódios Web. Pequenas histórias que ocorrem entre uma temporada e outra que completam a trama.

Em Lost existem alguns sites que foram criados na primeira temporada, um da companhia aérea e outro da Dharma, mas eles poderiam ir um pouco mais. Talvez a série já faça tanto sucesso que não precise de mais nada.

Agora transmissão digital via rede já existe. É assim hoje que funcionam as salas de cinema digital. Ninguém anda com HD na mão! O filme é transmitido de um servidor para várias salas de cinema espalhadas pelo país e esse servidor se comunica com servidores na matriz da distribuição, só para ter um espelho para garantir a transmissão.

Para passar disso para Web é uma questão de tempo e de barateamento de banda, melhores compressores... sei lá. Algo vai surgir para resolver esse problema e será muito em breve.